17/12/23

Ascenção das Máquinas

«A robot may not injure a human being or, through inaction, allow a human being to come to harm.» 

«A robot must obey orders given it by human beings except where such orders would conflict with the First Law.» 

«A robot must protect its own existence as long as such protection does not conflict with the First or Second Law.»

Isaac Asimov, 1942: Three Laws of Robotics

 

Optimus - Gen 2, by Tesla

Após a visualização dos mais recentes avanços no campo da robótica alcançados pela Tesla (conforme vídeo acima), não conseguimos ficar indiferentes em relação às possíveis ramificações futuras que a tecnologia neste campo, agora, permite antever. Não deixamos também de ficar tristes por saber que Isaac Asimov não chegou a poder assistir à implementação prática daquela que foi a componente principal dentro do seu campo de trabalho artístico na  literatura de FC: os robots humanóides que convivem, na "existência" do dia-a-dia, com os humanos. Asimov interessou-me, muito em particular, por explorar as implicações morais (e as fissuras) que a elaboração necessária de regras para "convívio próximo" entre estes dois mundos teriam. 

É evidente que o foco do vídeo é a característica física do modelo, naquilo que é uma dinâmica evolutiva, cada vez mais aperfeiçoada, de construir um ser fisionomicamente semelhante a um humano, capaz de replicar por vias motoras as capacidades e sensibilidades dos membros do corpo (as mãos e os dedos são talvez o aspecto mais impressionante na demonstração), para que este nos possa substituir nas mais variadas tarefas. As aplicações práticas, atendendo a versatilidade e adaptabilidade de uma "ferramenta" como esta, parecem infinitas. 

As implicações a nível social e o futuro das mais diversas estruturas de "equilíbrios de poder", para o bem e para o mal, lançam-nos numa espiral de pensamentos, reflexões e dilemas de complexa resolução, sabendo-se que a linha do progresso não poderá ser no entanto impedida.

O modelo não está, de resto, completo sem a sua componente orientadora: o cérebro, o software, a IA que comanda a componente física, e que é outra área em que os avanços se têm vindo a acumular de forma exponencial nos últimos anos, como comprovam inúmeros modelos de linguagem disponíveis a qualquer pessoa na Internet. Os motores de pesquisa tenderão a tornar-se obsoletos, a condução autónoma está neste momento em testes em várias cidades no mundo, as ferramentas de auxílio no campo da medicina têm possibilitado ganhos de eficiência inimagináveis há uma década. Também no campo "artístico" a disrupção está a acontecer: em poucos segundos qualquer utilizador poderá, por exemplo, pedir para a IA gerar uma imagem lógica, altamente definida, a partir de um texto simples...

 

«A vision of the future where Humans and Artificial Intelligence beings cohabit in a symbiotic friendly way. Show robots, machines and humans...»
por Ricardo Barradas, através do portal NightCafé (https://creator.nightcafe.studio/)

 

Para o bem, e para o mal...

Há muito do nosso imaginacação colectiva se encontra refém das imagens projectadas pelo imaginário de James Cameron no cinema, à conta da saga Terminator. Imagens como esta cativam-nos o pensamento fazendo-nos temer o pior. E quando a máquina decidir que não precisa de nós para nada?

 


A este respeito, tenho-me lembrado com alguma frequência do final imensamente ingénuo do filme Metropolis (Fritz Lang, 1927), em que é ensaiada uma resolução "consensual" para o problema da "incomunicabilidade" entre Cérebro e Mãos, que metaforicamente, na obra, indicam respectivamente o "Sector Patronal" e o "Sector Operário". Segundo Lang, entre estas duas componentes essenciais na estrututação social, "os que pensam e ordenam" e "os que fazem", tem de haver uma componente mediadora que permita fazer fluir a comunicação sem gerar conflitos (problemas que condenam e destroem todo o sistema se passarem de determinados limites). E essa componente é a sensibilidade emotiva, representada metafóricamente pelo Coração.
 
 

 
 
Que componente fará então a função de Coração/Emoção num mundo cada vez mais próximo da Inteligência Artificial e da Robótica, mediando e pautando a comunicação entre software e hardware? 
 
Segundo James Cameron, esse tal Coração é o orgão para onde o Cérebro da IA indicará às Mãos humanóides para apontarem as armas.


 
 






21/05/23

Cidades dos Anjos ("What makes us Human", parte II)

Filmados com 5 anos de intervalo, Blade Runner (Ridley Scott - 1982) e Der Himmel über Berlin (Wim Wenders - 1987) são obras muito diferentes, mas que partilham, no entanto, de um semelhança "conceptual" importante: são povoadas por anjos que desejam ser humanos. Desejam uma liberdade que a condição existencial imposta à "nascença" lhes nega.

Os dois filmes partilham também de uma relação quase orgânica, vital, que se estabelece entre as personagens e a cidade por onde se movem. No primeiro caso uma Los Angeles (precisamente a "cidade dos anjos") futurista, e no outro caso Berlin, dois anos antes da queda do muro.

No início dos filmes, anjos observam a cidade a partir do alto...

 







07/12/22

« Mirror, mirror on the wall...

 ...Who's the grimmest of them all? »


M - 1931


Joker - 2019


Apesar da semelhança entre as imagens (e entre a doença mental das personagens em questão---coincidências?), são mais as diferenças que separam estes dois "filmes-sociais" do que as similaridades que os aproximam. 

A sociedade/civilização no filme de Lang está fundada na ordem, na harmonia entre as partes, e num sistema de "equilíbrios e compensações" que é em último caso eficaz (mesmo que bastante ineficiente).

O filme de Todd Phillips por seu lado aposta as suas fichas na incapacidade institucional em curar a corrupção e as feridas do "sistema", e na emergência do caos urbano e do motim como resultados inevitáveis (desejáveis?) da decadência social.

O filme de Lang denuncia o "vigilantismo" e a tomada da justiça pelas mãos populares, enquanto o filme de Phillips parece abraçar a ideia.

Ainda assim, teria sido interessante perceber se Lang tornaria a filmar "o mesmo filme", e manteria a mesma "fé" nas estruturas sociais, uns anos mais tarde, no contexto em que Hitler e o Partido Nazi haviam já tomado as rédeas do poder.

05/10/22

Da natureza do Homem

    « He spoke of his campaigns in the deserts of Mexico and he told them of horses killed under him and he said that the souls of horses mirror the souls of men more closely than men suppose and that horses also love war. Men say they only learn this but he said that no creature can learn that which his heart has no shape to hold. His own father said that no man who has not gone to war horseback can ever truly understand the horse and he said that he supposed he wished that this were not so but that it was so.

Lastly he said that he had seen the souls of horses and that it was a terrible thing to see. He said that it could be seen under certain circumstances attending the death of a horse because the horse shares a common soul and its separate life only forms it out of all horses and makes it mortal. He said that if a person understood the soul of the horse then he would understand all horses that ever were.

They sat smoking, watching the deepest embers of the fire where the red coals cracked and broke.

Y de los hombres? said John Grady.

The old man shaped his mouth how to answer. Finally he said that among men there was no such communion as among horses and the notion that men can be understood at all was probably an illusion. Rawlins asked him in his bad Spanish if there was a heaven for horses but he shook his head and said that a horse had no need of heaven. »


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    « When I was in school I studied biology. I learned that in making their experiments scientists will take some group - bacteria, mice, people - and subject that group to certain conditions. They compare the results with a second group which has not been disturbed. This second group is called the control group. It is the control group which enables the scientist gauge the effect of his experiment. To judge the significance of what has occurred. In history there are no control groups. There is no one to tell us what might have been. We weep over the might have been, but there is no might have been. There never was. It is supposed to be true that those who do not know history are condemned to repeat it. I don't believe knowing can save us. What is constant in history is greed and foolishness and a love of blood and this is a thing that even God - who knows all that can be known - seems powerless to change. »


in  All the Pretty Horses - Cormac McCarthy

29/09/20

The Stuff Dreams are Made Of

 

The Maltese Falcon - Relíquia Macabra - 1941
 
Laura - 1944
 

26/02/20

Os homens não choram! (... acerca de "1917" e de "Paths of Glory" - parte II)

Homem que é homem não chora, e filme que é filme não perde tempo com pieguices sentimentalistas.

Mas em Paths of Glory é precisamente isso que sucede no final. A esta distância, olhando para a obra de Kubrick e considerando o quão uniformemente fria e calculista se apresenta, é irónico observar uma manifestação tão aberta e humanista, sem máscaras ou artifícios estilísticos pelo meio. E a intensidade com que nos é mostrada!

Depois de nos levar pela mão num instrutivo passeio por aquilo que de mais abjecto e repugnante há no comportamento humano, depois de nos assegurar, para lá de qualquer dúvida, que por mais que nos esforcemos, por mais sólidos e racionais que sejam os argumentos utilizados, por mais explícitos que sejam os exemplos disponíveis, mesmo à nossa frente, depois de nos explicar por A mais B que não conseguiremos nunca contrariar o egoísmo, a maldade e a tirania institucionalizados (uma marca no seu cinema), Kubrick afasta ligeiramente as nuvens negras para o lado, ensaia uma inusitada inflexão na trajectória pessimista do filme, e permite que um raio de sol nos aqueça por instantes a alma. Há esperança para a humanidade, e não é assim tão ténue quanto isso - essa também é uma das mensagens de Paths of Glory. Somos capazes do pior, mas também do melhor, mesmo em condições extremas, mesmo quando enterrados até ao pescoço num imundo lamaçal.

A determinada altura em 1917, entre duas sequências mais tensas de aflição para o protagonista, sucede um breve período de acalmia. O soldado, à beira de sucumbir de exaustão, deambula pelo mato e ouve à distância alguém a cantar. Um regimento amigo de tropas reúne-se no chão à volta de um intérprete, antes de partir para uma ofensiva. O soldado deixa-se cair junto de uma árvore e a câmara liberta-se por momentos da sua presença, dando uma curta volta por entre grupo. Tão curto é o "giro", e tanta é a pressa do realizador para voltar para junto do protagonista, que mal reparamos nas expressões dos poucos soldados que aparecem no enquadramento. Mendes revela-se menos interessado na expressão humana e mais em tornar a pegar na intensidade do fio narrativo, para não deixar esfriar a componente imediatista de tensão. Como em relação a tantas outras vertentes no filme, o tema, a canção, a voz do intérprete e o seu impacto junto das tropas quedam-se para um segundo plano praticamente irrelevante e acabam por não ser explorados o suficiente para formar massa crítica emocional.

Por se tratar de uma canção que reune a atenção das tropas à sua volta, esta sequência faz-nos recordar esses 5 minutos finais de luz em Paths of Glory. Não quero entrar em descrições desnecessárias (até porque a expressão de Kirk Douglas, antes e depois da sequência, nos conta tudo o que precisamos de saber), mas vou deixar o mais importante: as imagens dos rostos dos soldados no momento em que, ao som da voz da jovem alemã (um "troféu de guerra" à espera de ser sexualmente explorado), o elemento comum da solidariedade e compreensão se sobrepõe à brutalização imposta pela guerra. O momento em que as lágrimas se tornam protagonistas.






















25/02/20

O "último refúgio de um cobarde" (... acerca de "1917" e "Paths of Glory" - parte I)

Talvez seja injusto entrar em comparações pormenorizadas entre o mais recente filme de Sam Mendes, o aclamado 1917, e algumas outras obras de guerra, e sobre a guerra, com raízes já bem firmes na história do Cinema, mas a verdade é que a ambição evidente de Mendes, por um lado, e as matrizes que pretende homenagear, por outro, tornam quase à partida essas comparações inevitáveis. 

Um dos modelos mais facilmente reconhecíveis em 1917 é o filme Paths of Glory - Horizontes de Glória, de Stanley Kubrick, realizado em 1957 - reconhecível logo a partir do modo como a câmara é "encaixada" dentro das trincheiras e se move e segue as personagens de um lado para o outro. São aliás reconhecidos o pioneirismo obstinado na abordagem por parte de Kubrick em Paths of Glory, e o espantoso trabalho de Mendes e do seu "cinematógrafo" de serviço, Roger Deakins, na construção de um fluxo narrativo contínuo e ininterrupto em 1917 - o seu maior trunfo, por sinal.

Só que enquanto 1917 é um gigante com pés de barro, imersivo, realista e portentoso no capítulo técnico mas sofrível na substância (terá alguma?), o filme de Kubrick é uma imensa parábola social, amargo e irónico, carregado de situações absurdas e diálogos mordazes, que denuncia a cobardia, a estupidez humana e a corrupção moral que se encavalitam e escudam nas fontes de poder, em concreto nas hierarquias da patente militar.

Um desses diálogos - um que vale a pena recordar vezes sem conta porque está sempre actual - versa assim: