13/04/14

Grunge is dead!... or is it?

 Eddie Vedder na capa da revista TIME, edição americana de 25 de Outubro de 1993

O Grunge não tem nos dias de hoje expressão cultural ou musical significativa em lado nenhum — é  um género marginal, ultrapassado e demodé face às tendências musicais contemporâneas —  mas os efeitos da explosão que abalou Seattle em finais do século passado, na transição dos anos 80 para os 90, continuam a fazer-se sentir. A música de umas quantas bandas mainstream que sobreviveram ao passar dos anos, e que resistem ainda, cada uma à sua maneira, continua a justificar o que se fale de Grunge hoje em dia, mesmo que o mundo tenha mudado irrevogavelmente nestas duas décadas, e ainda que o termo continue a ser tão cómodo de usar como ilusivo nas suas delimitações orgânicas. Digamos que é, ou foi relativamente simples (para os media, para as editoras discográficas, para um público adolescente sedento de ícones...) definir umas quantas características comuns, quer a nível de sonoridade musical (a mistura entre o legado do punk, o underground e o heavy-metal), quer a nível de temáticas abordadas (a desilusão com o sentido da vida manifestada através da raiva e do negrume, por exemplo), e agregar em seu redor uma série de talentos emergentes que surgiram, coincidentemente, por volta da mesma altura num mesmo espaço geográfico: Seattle — mesmo considerando os outsiders que se viram, propositadamente ou não, associados ao movimento (os Stone Temple Pilots, por exemplo, que nos primeiros anos soavam a uma mistura entre Alice in Chains e Pearl Jam, mas que não eram originários de Seattle) ou outros que de alguma forma tenham ficado mais expostos por conta dele (os Sonic Youth e os Smashing Pumpkins). É muito mais esta coincidência espacial e temporal que une e agrega estas bandas num mesmo espaço conceptual imaginário(!) do que propriamente as suas semelhanças a nível musical, já que há evidentes disparidades entre o som de cada uma. Seattle transformou-se durante uns anos na Meca da cena musical, local de culto e de peregrinação onde centenas ou milhares de bandas wannabe visitantes viram sonhos de fama e glória caírem impiedosamente por terra. A "história do Grunge de Seattle" está de resto extensamente explorada e documentada em infindáveis artigos de imprensa publicados desde essa altura; penso que valerá a pena destacar, ainda assim, o esclarecedor documentário Hype!, realizado por Doug Pray em 1996, bem como as duas incursões de Cameron Crowe, na senda da definição vital do movimento a partir do seu interior, uma com o filme Singles (1992) e outra com o documentário Pearl Jam Twenty (2011).

Dave Grohl, Kurt Cobain e Krist Novoselic, os Nirvana

Passaram vinte anos desde a morte de Kurt Cobain (suicidou-se a 5 de Abril de 1994), líder e vocalista dos Nirvana, indiscutivelmente a face mais mediática do Grunge. Fora as opiniões nem sempre concordantes sobre a capacidade, talento e génio criador de Cobain, é consensual que o álbum Nevermind (1991) e mais o mítico tema Smells Like Teen Spirit, o «hino do Grunge», constituíram os responsáveis maiores pela ascendência meteórica e popularização do género um pouco por todo o mundo, sendo que, por esses dias, já um intenso "burburinho" predatório de aproveitamento comercial pairava sobre Seattle, virtude da emergência do tal conjunto de talentos musicais que começavam a afirmar-se perante audiências mais vastas, fora do circuito fechado da cidade. Bandas como os Mudhoney (ramificação dos Green River, de onde também descenderiam os Mother Love Bone e mais tarde os Pearl Jam), os Soundgarden, os Alice in Chains e os Screaming Trees viriam a definir o estilo musical proeminente nos E.U.A. na primeira metade dos anos 90. A partir de então, quase tão depressa como começou, o Grunge enquanto conjunto plural, musical e cultural, evaporou-se quase sem deixar rasto, como se de uma moda passageira se tratasse (e de certa forma foi isso mesmo que sucedeu, um termo cunhado pelos media que degenerou numa mo-e-da). O legado musical, contudo, permaneceu, bem como a persistência de algumas bandas em serem fiéis às suas raízes, apesar dos seus tempos de juventude terem terminado há muito e das questões prementes que acompanharm esses momentos iniciáticos terem porventura cedido lugar a outras frustrações, associadas a etapas e incertezas mais tardias da vida («Teenage angst has paid off well / Now I'm bored and old...»).

Será que o que resta hoje dia dessas bandas merece ser destacado sem que necessitemos de mencionar a data da morte de Cobain como pretexto? Sim. Mais nalguns casos do que noutros, como seria espectável, mas não deixa de haver uma certa reminiscência nostálgica associada aos saudosos tempos em que nada mais interessava no panorama musical, e que atinge agora, por arrasto, mesmo as situações menos entusiasmantes.

Os Alice in Chains perderam grande parte da chama e do poder criativo no momento em que o vocalista Lane Staley morreu, em 2002, numa altura em que já não havia propriamente uma banda — o último álbum de originais datava de 1995 e o último concerto em público digno de nota sucedera com o Unplugged, em 1996. Em 2006, quase dez anos depois da última aparição, a banda começou novamente a dar sinais de vida, com William DuVall a ocupar lugar de Staley como vocalista. E se neste papel DuVall está como peixe na água, com um timbre que ao mesmo tempo faz recordar o de Staley e se enquadra bem no estilo musical pesado e negro da banda, a energia criativa do grupo parece ter desaparecido com a morte de Staley, uma responsabilidade que Jerry Cantrell não consegue preencher a sós, por mais habilidoso que seja na guitarra. Foram lançados dois albuns de originais com este novo alinhamento, Black Gives Way to Blue (2009) e The Devil Put Dinosaurs Here (2013) mas tanto um como outro são pálidas amostras daquilo que um dia foram os Chains (dos tempos de Facelift, 1990 e Dirt, 1992), apresentando temas que pouco se distinguem uns dos outros e em que a raiva sonora incontida de outros tempos dá lugar a um ambiente pesado algo anémico que parece resultar apenas do conformismo em definir um patamar expressivo. Ainda assim, valem a pena uma audição atenta, mais no caso do último álbum.

Hollow - Alice in Chains - 2013

Os Pearl Jam, que desde o desaparecimento dos Nirvana são a banda de Seattle com maior sucesso e reconhecimento comercial junto do público, apesar de terem passado por vários períodos atribulados de redefinição da sua essência sonora, e de já pouco restar da ambiência inicial definida em Ten (1991), têm conseguido comercializar álbuns de originais com alguma constância e larga aceitação. A última dessas propostas, Lightning Bolt, é bem recente, data de finais de 2013, e conta com um tema que por esta altura já terá queimado os timpanos aos ouvintes de rádio de tantas vezes que passa: a melíflua balada Sirens. Os Pearl Jam actuais são uma banda fortemente descaracterizada, em que a ligação entre os instrumentos, apesar de enérgica, se tornou numa amálgama indistinta, rotineira pelo hábito de anos a tocar em conjunto, e que está de certa forma resignada e amparada num patamar comercial de destaque que foi conquistando ao longo do tempo — em suma: sem identidade. O seu último marco digno de registo sucedeu em 1998, com Yield; a partir de então, cada novo trabalho tem-se revelado uma desilusão, sempre com um ou dois temas que merecem algum destaque, mas com os restante a servirem para encher o chouriço. Apesar de tudo, mais pelo afecto nostálgico que nutro por esses primeiros tempos de actividade, e que teima em não me abandonar, lá os vou ouvindo com alguma expectativa e desejo de conciliação.

Mind Your Manners - Pearl Jam - 2013

Os Screaming Trees, uma das bandas que ajudaram a definir e consolidar as raízes do Grunge em Seattle, formada em 1985, desapareceram de vez em 2000, por opção própria do membros, e por aparentemente terem chegado ao limite das suas capacidades enquanto grupo criativo com saída comercial. O último álbum que lançaram "em vida", o refinado, harmonioso e instrumentalmente complexo Dust, data de 1996. Mais recentemente, em 2011, e sem que a banda se tenha reunido para a ocasião, foi lançado o trabalho que haviam estado a preparar em 1998 e 1999, e que não chegou nessa altura a ver a luz do dia: Last Words: The Final Recordings. Contando com a voz cavernosa e ressonante de Mark Lanegan, um disco "novo" dos Trees constitui sempre uma proposta musical que não se recusa, ainda que não haja desta vez um tema que se destaque de forma mais evidente ou um grande hit comercial, como sucedeu nos dois álbuns anteriores — algo que em todo caso pode ser interpretado pela positiva.

Crawlspace - Screaming Trees - 199?

Mesmo que não tivessem feito mais nada ao longo da sua carreira, os Soundgarden ficariam para a história por conta de um dos melhores álbuns de heavy-metal dos anos 90, uma obra-prima que dá pelo nome de Superunknown (1994), e que merece figurar entre os grandes discos da era Grunge, ao lado de In Utero (1993) dos Nirvana e de Ten (1991) dos Pearl Jam (esqueçam por momentos o pop pós-apocalíptico e radio-friendly de Black Hole Sun e ouçam os outros temas do álbum!). Influenciados por gigantes dos seventies como os Led Zeppelin e os Black Sabbath, os Soundgarden foram a banda de Seattle que melhor souberam tirar proveito da pujança sonora de riffs pesados e agressivos, conjugado-os com ambiências harmónicas e melodiosas resultantes de um certo experimentalismo psicadélico, contando para isso com o rugido vocal autoritário de Chris Cornell e com a inventividade criativa de Kim Thayil na guitarra. Separaram-se em 1997, alegando diferenças criativas, depois do álbum Down on the Upside (1996) ter ficado longe da genialidade de Superunknown. Cornell prosseguiu uma carreira a solo e chegou a juntar-se a ex-membros dos Rage Against the Machine para formarem os Audioslave, e Matt Cameron, o baterista, foi "adoptado" pelos Pearl Jam, numa das várias vezes em que se viram sem um ocupante para o cargo (Cameron faz neste momento parte das duas bandas...). Os Soundgarden  tornaram a reunir-se em 2010. O seu mais recente trabalho, King Animal, data de finais de 2012, e se por um lado fica aquém de Superunknown ou mesmo de Badmotorfinger (1991), representa por outro um regresso à boa forma que os caracterizou no início dos anos 90, e a um espaço musical distinto, fora do seu tempo, que não tem outros intérpretes nos dias de hoje.

 Bones of Birds - Soundgarden - 2012

Deixei o melhor para o fim: o mais recente disco dos Mudhoney, um grupo que permaneceu teimosamente irredutível nos seus princípios musicais ao longo de mais de 25 anos de actividade, iguais a si próprios, iguais ao que foram nos momentos iniciais da sua formação, uma banda que sempre rejeitou os holofotes da fama, não fez concessões perante nada nem ninguém, e que representa a vertente mais crua, niilista e corrosiva do Grunge, próxima talvez daquilo que será a vocalização prática da significância do termo, um registo que terá influenciado Cobain no estabelecimento da identidade musical de Bleach (1989), o álbum de estreia dos Nirvana. É de resto bastante notória a aproximação sonora entre as duas bandas nesse tempo que antecedeu Nevermind. Não será também por acaso que é atribuída a Mark Arm, o vocalista-voz-de-ratazana do conjunto, a primeira instância mediática em que terá sido usada a palavra Grunge. Os Mudhoney conseguiram manter uma invulgar homogeneidade e coerência no output instrumental e na qualidade estética da música que produziram ao longo de toda a carreira, atingindo no ano passado um inesperado pico criativo com o nono álbum de originais (o sexto sob a égide da lendária Sub Pop): Vanishing Point. Parece que os anos não passaram por eles, dada a energia corrosiva irónica presente nos temas (... I Like it Small, Douchebags on Parade e Sing this Song of Joy... ), que larga impunemente napalm sobre a face comercial mais exposta de Seattle, e que faz em certos momentos lembrar a força electrizante e raivosa do punk dos Stooges. Pop isto não é...

The Final Course - Mudhoney - 2013

A fechar, deixo um pequeno concerto dos Mudhoney com a  baía de Seattle como pano de fundo, que em cerca de meia-hora faz uma súmula coerente da identidade inconformista do grupo: aqui. Começa com Touch Me I'm Sick, como não podia deixar de ser.

04/04/14

E a Valsa Continua, cinquenta anos depois

Eis um extraordinário "encontro cultural" que não se vê/ouve todos os dias...



... talvez para apreciar serenamente, enquanto se saboreiam umas iscas, acompanhadas de favas e Chianti...